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Delação bomba: Cabral diz ter articulado supostas compras de ministros do STJ e TCU

Em notas à CNN, os citados pelo ex-governador negam as participações nos crimes

ÓTICAS GUIMARÃES

Em acordo de delação premiada com a Polícia Federal, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral revelou ter articulado supostos subornos a ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal de Contas da União (TCU) para ajudar, em 2015, o empresário e então Orlando Diniz, à época presidente da Fecomércio, Senac e Sesc-RJ.

Em três anexos, que fazem parte do conteúdo da delação, Cabral conta como teria feito para Orlando conseguir favoráveis decisões judiciais que o mantivessem no cargo e, com isso, teria impedido a continuação das investigações conduzidas pelo TCU.  Em notas enviadas à CNN, os citados por Cabral negam as participações nos crimes.

O ex-governador do Rio de Janeiro foi ouvido aproximadamente 10 vezes por dois delegados na Superintendência da Polícia Federal do Rio. Os relatos ensejaram a abertura de 19 inquéritos – sendo 12 arquivados pelo ministro Dias Toffoli, em agosto de 2020, em sua última semana na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). A CNN teve acesso a parte do material que foi revelado por Cabral à PF.

Ao longo dos relatórios 4, 5 e 6, Cabral admite a trama que teria montado para, supostamente, blindar Diniz. O conteúdo faz parte do relatório da PF nº 96, no qual os investigadores tiveram como “objetivo concluir a coerência e verossimilhança das narrativas”, como destaca um dos delegados.

Naquele momento, Cabral, que está preso desde 2016, nem imaginava que já havia uma investigação em andamento pela, então, Força Tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro, com base no conteúdo da delação premiada do próprio Orlando Diniz, fechada com o Ministério Público Federal, e que seria deflagrada meses depois, em agosto de 2020.

Enquanto o ex-amigo contou aos procuradores sobre o esquema de corrupção envolvendo escritórios renomados de advocacia do Rio, São Paulo e Brasília, Sérgio Cabral foi além e detalhou relações desse suposto esquema que teria sido elaborado por ele e que envolveria o ministro do STJ Humberto Martins, os ex-ministros do STJ Napoleão Maia e Cesar Asfor Rocha, os ministros do TCU Vital do Rego, Bruno Dantas e Raimundo Carreiro e o ex-presidente do TCU Aroldo Cedraz.

Segundo descrevem os delegados, Cabral entregou e-mails, registros de voos, hospedagem em hotel, datas de encontros, registros de ligações telefônicas entre ele e os envolvidos, fatura do pagamento ao escritório de Adriana Ancelmo – ex-mulher de Cabral e dona de um dos escritórios de advocacia contratados por Diniz – e compromissos registrados em agendas antigas e que já estavam, inclusive, em poder da própria PF porque foram apreendidas em outras etapas de operações da Lava Jato.

Para levar adiante a possibilidade da delação, antes, os policiais verificaram todo o material apresentado por Cabral e o confrontaram com provas de outros casos relacionados. E apesar de os conteúdos da delação do ex-governador terem sido descartados pelo STF, a PF tem outro entendimento.

Os agentes alegam terem encontrado “coincidências” nas duas delações – de Cabral e de Diniz: o plano envolveria escritórios de advocacia porque assim o dinheiro seria disfarçado em honorários, o objetivo do esquema seria impedir o afastamento de Diniz do cargo ebarrar as investigações. Além disso, os mesmos supostos escritórios envolvidos foram citados nas deleções de Cabral e de Diniz.

Sobre o envolvimento do STJ

De acordo com o relato de Cabral à PF, por suspeitas de fraudes em contratos do Sistema S Fluminense (Fecomércio, Senac e Sesc-RJ), Orlando Diniz ainda não havia conseguido voltar ao comando do Sesc-RJ, afastado em maio de 2014. Ele teria procurado o ex-governador no final do mesmo ano e, supostamente, pedido ajuda do amigo para obter essa recondução, pois, segundo Diniz, o Sesc-RJ era “a fonte mais expressiva de recursos”.

De acordo com Cabral, Orlando teria contado que havia “gasto somente no início de 2014 quase R$ 15 milhões com os escritórios, contratados via Fecomércio, de Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, bem como o escritório de Eduardo Martins, filho do ministro Humberto Martins, e que teria pago por decisão judicial para sua recondução, mas que apenas teve êxito no Senac”.

Segundo Cabral, na conversa com Diniz, eles teriam acertado, por R$ 19 milhões, a contratação do escritório de Adriana Ancelmo pela Fecomércio. E numa espécie de troca de favores, Cabral teria começado a articular um plano para que Diniz retomasse o controle do Sesc-RJ.

Aos delegados da PF, Cabral disse que imediatamente procurou o advogado Tiago Cedraz, filho do ministro do TCU Aroldo Cedraz, e que, supostamente, “Tiago sugeriu emplacar na operação o ex-presidente do STJ Cesar Asfor Rocha, contemporâneo do ministro Napoleão Maia”. De acordo com Cabral, era Tiago que o “ajudava em diversas demandas do Estado do Rio de Janeiro junto ao TCU”.

Ainda conforme o relatado por Cabral, meses depois ele teria participado de um jantar na casa de Cesar Asfor, quando afirma ter ouvido sobre a decisão de Napoleão: “quanto a ele eu resolvo, ele é meu irmão e parceiro”. Tiago, que seria amigo do também advogado Caio Rocha, filho Cesar Asfor, estaria no evento.

“Após o jantar na casa de Cesar Asfor, o colaborador [Sergio Cabral], Caio Rocha e Tiago Cedraz se reuniram para combinar os valores nessa operação de auxílio a Orlando Diniz. Ficou acertado o valor de R$ 6,5 milhões para comprar a decisão de Napoleão Maia para o retorno de Orlando ao comando do Sesc-RJ. Logo após Cabral recebeu Caio Rocha em sua residência e Caio expôs sua preocupação de formalizar o contrato de prestação de serviços com a Fecomércio – pois suas manobras já estavam desgastadas e sugeriu a interposição de um escritório para o recebimento de seus valores. Foi indicado o escritório de uma pessoa muito próxima de um sócio de Adriana Ancelmo”, descrevem os investigadores no relatório policial.

“Após o jantar na casa de Cesar Asfor, o colaborador [Sergio Cabral], Caio Rocha e Tiago Cedraz se reuniram para combinar os valores nessa operação de auxílio a Orlando Diniz. Ficou acertado o valor de R$ 6,5 milhões para comprar a decisão de Napoleão Maia para o retorno de Orlando ao comando do Sesc-RJ”

Relatório da Polícia Federal


Os delegados envolvidos na delação de Cabral ressaltam que o escritório escolhido não foi encontrado para trabalhar como procurador cadastrado para atuar no Superior Tribunal de Justiça, em nome da Fecomércio, Sesc ou Senac nos anos de 2013 a 2015. Segundo a PF, isso  “fortalece ainda mais a tese do colaborador”.

Logo após, Orlando Diniz foi reconduzido ao Sesc-RJ, conforme noticiado pela imprensa na época, e Cabral relatou aos investigadores que teria recebido ligação de Cesar Asfor “celebrando a decisão”.  

Cabral também afirma não ter dúvida que Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, segundo relatou aos investigadores, participaram e contribuíram para a compra das decisões de Napoleão Maia e que Orlando Diniz teria pago para Eduardo Martins mais de 10 milhões de reais, no final de 2015.

No relatório da PF traz ainda a informação de que Cabral teria ligado para Caio Rocha em 16 de outubro de 2015, às 22:01h, uma semana antes do suposto jantar na casa de Cesar Asfor, em São Paulo.

Os registros das passagens áreas de Cabral e Adriana e da hospedagem no hotel também foram entregues à PF pela defesa de Cabral. Na operação Calicute, em 2016, três anos antes de Cabral imaginar fazer o acordo de delação premiada, os agentes federais apreenderam uma agenda de cor cinza do ano de 2015, em que consta a seguinte anotação no dia 24 de outubro de 2015: Jantar Ministro Cesar Asfor.

Sobre o envolvimento do TCU

Cabral descreve como escritórios de advogados ligados a membros do TCU foram, supostamente, usados para receber propina e, assim, segundo o ex-governador do Rio, atender aos interesses de Orlando Diniz no Sistema S. Isso garantiu, conforme relatou Cabral à PF, “vista grossa” dos ministros na hora de analisar como o Rio estava usando recursos federais em megaempreendimentos do governo do estado.

No esquema, segundo o ex-governador do Rio, teriam sido usados o escritório do filho do Aroldo Cedraz, membro do Tribunal de Contas da União desde 2007, e de Marcelo Nobre, responsável por operacionalizar a propina.

Era Tiago Cedraz, de acordo com a narrativa de Cabral, “o caminho para resolver os abacaxis do governo do Rio no TCU”. Quem os teria apresentado foi o também ex-governador do Rio Luiz Fernando Pezão, em 2007, em uma reunião na cidade de Piraí, terra natal de Pezão.

Cabral afirma que a amizade teria durado tanto quanto os repasses mensais de quase R$ 300 mil para Cedraz, supostamente, distribuir no TCU – o que segundo Cabral, seria uma forma de fazer o Tribunal ser benevolente ao analisar os recursos federais em obras como o PAC e o Arco Metropolitano.

Em 2015, Orlando Diniz teria recorrido ao amigo Cabral – àquela altura já fora do governo do Rio – para lhe pedir ajuda: queria uma forma de garantir uma resolução dos problemas do Sistema S do Rio no Tribunal. O caminho? Tiago Cedraz que, conforme relatou Cabral à PF,  daria um jeito de influenciar as decisões do pai, o ministro Aroldo.

No suposto encontro no apartamento da Rua Aristides Espíndola, no Leblon, onde Cabral morava, teriam acertado o valor: R$ 12 milhões para Tiago dar uma “forcinha” através de seu pai.

No relatório de investigação policial, os delegados descrevem ter encontrado indícios de que a narrativa de Cabral faz sentido. Há, realmente, um processo do TCU, relatado por Aroldo Cedraz, que teve Orlando Diniz como beneficiário – o ministro colocou rapidamente em pauta e com manifestação favorável a um pedido de Diniz no âmbito do Sistema S.

Em outra corte, no Supremo, um advogado do escritório do filho do ministro também atuou em defesa de Orlando Diniz. “Relato coerente”, concluiu a PF após análises preliminares do material e informações apresentadas pelo ex-governador do Rio.

O esquema, segundo Cabral, teria se repetido através do advogado Marcelo Nobre: contratado pela Fecomércio para servir de fachada para que os ministros do TCU Vital do Rego, Bruno Dantas e Raimundo Carreiro recebessem, supostamente, cerca de R$ 400 mil mensais. O ex-governador entregou aos investigadores registros de jantares realizados em sua casa que, segundo ele, teriam ocorrido com a presença de Vital do Rego e Bruno Dantas.

A fim de checar as afirmações de Cabral, a PF encontrou 7 processos em que os ministros atuaram sempre em prol de Orlando Diniz.

Outro lado dos citados

CNN procurou o Superior de Tribunal de Justiça (STJ) para um comentário sobre as acusações de Cabral contra o ministro o Humberto Martins e ex-ministros Napoleão Maia e Cesar Asfor Rocha. “Com relação a delação de Sérgio Cabral relacionada à Fecomercio, foi arquivada pelo presidente do STF a pedido do procurador-geral da República”, diz a nota.

Já o ex-ministro César Asfor e o advogado Caio Rocha afirmaram que “não tiveram acesso à delação premiada do ex-governador Sérgio Cabral, já rejeitada pelo Ministério Público Federal”. “Narrativa criminosa”, diz o comunicado.

Os ministros do Tribunal de Contas da União Vital do Rêgo, Bruno Dantas, Raimundo Carreiro e o ex-presidente do TCU Aroldo Cedraz foram procurados através da assessoria de imprensa do TCU e não se manifestaram.

A defesa de Adriana Ancelmo, ex-mulher de Cabral, informou que o escritório dela prestou todos os serviços contratados com a Fecomércio.

“Nem Orlando Diniz, que realizou acordo de colaboração com o Ministério Público, realizou tal acusação contra Adriana. Ou seja, em quem acreditar, Orlando ou Sergio? Orlando teve a colaboração aceita pela Procuradoria da República; Sérgio Cabral, não”, diz a nota.

O advogado Tiago Cedraz informou, em nota, que a delação foi considerada “fraudulenta e imprestável pelo MPF”.

Em nota, a defesa de Orlando Diniz afirmou que não teve acesso “a qualquer anexo da Colaboração Premiada do ex-Governador Sérgio Cabral, e reafirma que ele está ” à disposição do Ministério Público e da Justiça para esclarecer qualquer conduta praticada em sua gestão junto à Fecomércio, Sesc e Senac”.A defesa do advogado Roberto Teixeira informou que tem como “norma não me pronunciar sobre casos em andamento”.

CNN procurou e aguarda resposta dos advogados Marcelo Nobre, Cristiano Zanin, e Eduardo Martins.

Nota defesa Sérgio Cabral

Em nota, a defesa de Sérgio Cabral informou que o acordo de colaboração premiada do ex-governador “foi homologado pelo STF por estar pautado rigorosamente dentro da legalidade” E afirmou que “nunca o Ministério Público Federal ou a PGR disseram textualmente que não queriam celebrar acordo de colaboração premiada com o ex-governador. Inaceitável se tentar abalar o trabalho sério realizado pela Polícia Federal, com base em argumentos mentirosos, vociferados covardemente da boca de verdadeiros aproveitadores.”, destacou o advogado Márcio Delambert.

Sérgio Cabral Lava Jato
Ex-governador Sérgio Cabral é preso durante a Operação Calicute, 37ª fase da Operação Lava Jato (17.nov.2016)

Maria Mazzei, Leandro Resende e Iuri Corsini, da CNN, no Rio de Janeiro


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